O Holodomor e os reflexos do Socialismo na Ucrânia

Durante a década de 30, a Ucrânia fazia parte da União Soviética e era conhecida como o “celeiro da Europa” devido à sua vasta produção agrícola. Sob o regime de Josef Stalin, o governo soviético implementou a coletivização forçada da agricultura, um elemento presente em várias repúblicas socialistas daquele tempo, e que envolvia a expropriação de terras, colheitas e gado dos agricultores para o Estado. Este movimento visava consolidar o controle do governo sobre a produção agrícola, ajudando a financiar a industrialização do país.

A coletivização foi acompanhada por cotas de produção, muitas vezes excessivamente altas e medidas repressivas severas contra aqueles que não cumprissem as metas impostas. Em 1932, essas políticas resultaram em uma escassez extrema de alimentos, como já tinha ocorrido na Albânia, na Yugoslávia, e, é claro, na própria Rússia. O regime soviético confiscou grãos e outros alimentos básicos, deixando os camponeses sem meios para se alimentar. Em decorrência da baixa produção, bloqueios de estradas e fronteiras foram implementados, impedindo que as populações famintas procurassem ajuda em outros lugares.

As consequências dessas políticas foram, no mínimo, devastadoras. Ao longo dos meses seguintes, milhões de pessoas, principalmente camponeses, morreram de fome. Alguns historiadores apontam que aldeias inteiras foram dizimadas, e testemunhos descrevem atos desesperados, como o consumo de raízes, animais domésticos e, em casos extremos, até mesmo canibalismo. Nos países do bloco socialista, tudo era registrado rigorosamente como parte do modelo de economia planejada. No entanto, somente dados considerados positivos pelo Estado eram divulgados, enquanto os considerados “negativos”, eram descartados. Por conta disso, não há certeza de quantos ucranianos morreram de fome no holodomor, mas estima-se que entre 3,5 e 7 milhões de pessoas perderam a vida para a fome.

O governo soviético considerava esse problema como uma questão unicamente de distribuição, e não de produção. Naquela época, a Ucrânia era apenas como um “estado” da Rússoa, e o Kremlin respondeu intensificando as requisições de alimentos, o que desincentivou ainda mais os camponeses a produzirem excedentes. Afinal de contas, eles não ganhariam nada com isso e nem poderiam consumir o que produzissem, apenas o que recebiam. Em maio de 1932, foi introduzida uma “ditadura alimentar”, permitindo que o governo utilizasse a coerção para confiscar alimentos de agricultores que supostamente estavam escondendo suprimentos que eles mesmos produziam, como o trigo.

O historiador Robert Conquest, em sua obra “The Harvest of Sorrow”, escreveu: “O Holodomor foi uma tragédia premeditada [pelos sovietes] que serviu aos objetivos do regime. Não foi apenas uma fome, mas um ataque dirigido contra o povo ucraniano e sua identidade nacional.”

É importante também salientar, que a Ucrânia estava passando por um momento de incentivo de sua identidade. O país tem o seu próprio dialeto, e os próprios costumes, diferentes dos do povo russo. Os camponeses, que constituíam a maior parte da população ucraniana, e que mantinham essas tradições, foram os mais atingidos. Com o colapso da produção agrícola e a morte em massa, a estrutura social da Ucrânia foi profundamente abalada. Para sobreviver, muitas pessoas recorreram ao mercado negro para comprar alimento, enquanto outras tiveram que fugir para países vizinhos.

A fome seguiu até 1933, quando o fornecimento de comida foi lentamente reestabelecido. Mas já era tarde — milhões já tinham morrido naquela altura. A Ucrânia manteve-se sob jurisdição da URSS até 1991, quando ganhou independência após a queda do bloco.

A independência ucraniana em 1991 permitiu a discussão aberta do Holodomor, que se tornou um elemento central na construção de uma identidade nacional independente da Rússia. Para muito acadêmicos, esse evento foi reinterpretado como um símbolo de resistência e sofrimento do povo ucraniano sob domínio russo. Durante muito tempo, o Holodomor manteve-se em segredo, até chegarem evidências de sua existência aos acadêmicos do ocidente no final dos anos 80.

O Holodomor continua a ser objeto de controvérsia histórica e política. Muitos historiadores e governos, incluindo a Ucrânia, consideram o evento um genocídio deliberado, apontando para documentos que sugerem que Stalin usou a fome como uma arma para enfraquecer o nacionalismo ucraniano e consolidar o controle soviético sobre uma região fértil, uma vez que grande parte do território russo não é adequado para a produção agrícola. No entanto, uma outra parcela acadêmica argumenta que a fome foi o resultado de políticas mal planejadas e negligência causada pela coletivização, em vez de uma intenção genocida.

Victor Yushchenko, presidente da Ucrânia de 2005 a 2010, desempenhou um papel crucial em promover o reconhecimento do Holodomor como genocídio. Em 2006, o parlamento ucraniano declarou oficialmente o Holodomor como genocídio, apesar das divisões políticas internas e da oposição de alguns países.

Diversos países, incluindo Canadá, Estados Unidos e muitos membros da União Europeia, reconhecem oficialmente o Holodomor como genocídio. A Assembleia Geral das Nações Unidas condenou a fome, mas não chegou a um consenso sobre classificá-la como genocídio devido a divergências políticas dentro do órgão.

Autor: João Guilherme.

Este artigo faz parte da série Fracasso Vermelho: O que o Socialismo e o Comunismo fizeram com o Mundo, especial da Nova Acção.

Postagens relacionadas

Deixe um comentário